sábado, 19 de outubro de 2013


 Sobre o livro SABER ESPERAR, de Cristina Brandão  Lavender

 

Na página 21 do  livro, lê-se:

“É preciso relatar o passado/Viver o presente/Predizer o futuro”

Hipócrates

Por isso, vou até ao passado.

 

Nasci em Braga, numa família portuguesa (por parte de pai), profundamente enraizada na sua terra.  Era uma típica família portuguesa da época, abastada, muito respeitada na cidade, em que os homens mandavam e as mulheres obedeciam.  Meus avós, que viviam na Quinta da Calçada, na subida para o Bom Jesus do Monte, num casarão belíssimo cercado de jardins onde a comida era deliciosa e sempre havia lugar para mais um à mesa, tiveram um filho homem (meu pai) e três filhas mulheres. Minhas tias casaram bem, por amor e com bons partidos. Meu pai apaixonou-se por uma brasileira, linda e muito mimada, que tocava piano e violoncelo, filha única de um intelectual brasileiro e de uma poetisa, e que depois do casamento, não gostou nada da vidinha que se levava em Braga. Eu e meu irmão tivemos uma infância maravilhosa, adorávamos a Calçada e crescemos brincando com os primos: três meninos e oito meninas.

A vida foi passando, coisas se modificando, nós todos crescendo. Meu primo Fernando – o mais velho dos rapazes, bonito e muito bom -  começou a namorar a Milena, que estudava no Colégio Dublin, como eu. Eu ainda no primário, enquanto ela Sahiraterminava o curso.  E passei a ser o “correio” entre eles, levando e trazendo as cartinhas de amor. A Milena era bonita, muito inteligente, tinha um irmão e era filha de um senhor abastado que tinha terras e negócios em S.Tomé e Príncipe, e uma quinta nos arredores de Vila Nova de Famalicão, a residência da família em Portugal. Os dois casaram e lembro-me bem da festa realizada na quinta, pois foi o primeiro casamento da família a que assisti. E nesse dia, vi pela primeira e única vez o pai da noiva, o senhor Brandão, um senhor sério e muito bem educado (que se calhar, até é descendente de algum antepassado meu, pois os Brandões do lado do meu avô, Heitor Esteves Brandão, são oriundos dessa região).

Desde pequena eu lia muito e escrevia, incentivada pelos meus avós maternos que viviam com a gente, pois não quiseram afastar-se da filha única. E enquanto na nossa casinha de Tenões havia um piano e muitos livros, na Calçada a vida era alegre, comia-se e bebia-se maravilhosamente bem, dançava-se ao som de um gramofone, rezava-se muito na capelinha, mas não havia estantes nem livros.

Mais anos se passaram, eu casei com um brasileiro e fui viver no Rio de Janeiro, onde os meus filhos nasceram. Entretanto, todos os meus outros primos e primas casaram também e ficaram a viver em Portugal com os seus filhos exceto o Fernando e a Milena, que foram viver em S.Tomé e Príncipe a chamado do pai dela. E lá nasceu a filha caçula deles – a Nicha – que eu só vim a conhecer muitos anos mais tarde, quando voltei a viver em Portugal. Eles também foram obrigados a regressar, como milhares de outros portugueses, quando começaram os movimentos e a violência que antecedeu a independência das colônias, e radicaram-se em Braga. Nessa época da minha vida eu já trabalhava há muitos anos como jornalista, colaborando em jornais e revistas brasileiras e portuguesas e tinha livros publicados. Um dia, a prima Milena mostra-me um caderno e diz-me “Lourdes, a Nicha escreve muito... por favor, lê e dá a tua opinião.” Eu li e fiquei impressionada com o que aquela adolescente já escrevia. Não me esqueci nunca das minhas palavras “ essa menina vai longe!” 

E ela foi.

O presente

De novo estamos separadas por um oceano.  Não revi ainda a Cristina/mulher/mãe e avó (para mim sempre a Nicha), mas durante os últimos meses, via Internet, acompanhei as crónicas que ela escrevia para um jornal de Braga e os preparativos para o lançamento do seu livro de estreia, primeiro na ilha verde onde nasceu, S.Tomé e Príncipe, depois em Braga, onde vive. Estava curiosa, mas o exemplar autografado do SABER ESPERAR que mandou para o Rio de Janeiro, só chegou ontem à minha casa. E eu li-o de um fôlego, varando a madrugada, esse “livro desesperado, que mexe nas feridas, que volta a mexer nas feridas – alternando entre crueza e carinho, brutalidade e ternura, tesão e cumplicidade”, como muito bem diz no Prefácio, Pedro Chagas Freitas.

SABER ESPERAR é um livro que nos perturba e tira o sono. A procura do verdadeiro eu da autora (haverá só um verdadeiro eu, ou vários verdadeiros eus que se degladiam sempre?),  o dilacerar da sua alma dividida e sofrida  é tão profundo o doloroso, que nos faz sofrer também.         Cristina Brandão Lavender (ou o seu alter-ego, Sahira) mergulha fundo no passado cheio de mistérios da sua família, que marcou profundamente a sua infância e juventude.  Ela procura respostas, ela quer desvendar segredos, ela quer saber e tem medo, porque cada destino, cada vida, arrasta atrás de si outras vidas, inocentes, que muitas vezes, sofrem e pagam por erros que desconhecem.

Como todos os livros de estreia, SABER ESPERAR tem muito de  pessoal. É uma catarse que quase levou a autora à loucura. Em seu anseio, nessas perguntas sem respostas “ quem falar nisso  morre” (Massacre do Batepá, 3/fevereiro/1953), ela caminha pela vida pisando em espinhos, em cacos de vidro que ferem e doem. E escreve... e leva-nos com ela nessa viagem alucinante.

Essa agitação incontrolável, essa procura do desconhecido que esgotam a autora levam –nos também, página após página, a sofrer com ela. E temos de parar para respirar. Para procurar paz- a paz que C.B.L não consegue encontrar. E por isso, escreve... usando não a mão sinistra, a verdadeira, mas a outra.  Ela escrevia da direita para a esquerda, mas apanhou multas reguadas para aprender a escrever ”direito”, como todo o mundo...  – e mesmo assim, violentada desde os bancos da escola, ela consegue transmitir ao papel, em negros caracteres, a sua agitação, o seu desassossego. Como só os bons escritores conseguem.

Duas palavras diferenciam um verdadeiro escritor de um escrevinhador: paixão e inquietação.  E isso C.B.L. tem de sobra. Neste seu primeiro livro nota-se a presença ostensiva do irracional da alma em relação à vida real. É um rasgar, um pôr a nu as suas entranhas sem pejo, que assusta. É uma luta permanente entre o ter e o ser. A procura desesperada pelo que podia e devia ser.  Mas não é. A não aceitação da realidade. E nessa agitação angustiante, encontramos em algumas páginas uns lampejos de paz. Raros. Ela fala  da beleza das camélias. Dos ursinhos da infância que ainda enfeitam a sua cama.  Diz que ama o silêncio das matas. O pôr do sol numa tarde outonal.

Predizer o futuro

Quem pode predizer o futuro?

Não eu...  mas depois de ler o  SABER ESPERAR, vi que as palavras que disse há muitos anos atrás à minha prima Milena sobre a sua filha, Nicha “ essa menina vai longe!”, se concretizaram.  Nasceu uma escritora.  Só desejo que ela continue a escrever outros livros.  Mais livros. Quem sabe um romance passado entre Portugal e a ilha dos seus amores, S.Tomé e Príncipe? Que ela encontre as respostas que procura. Que não se sinta enlameada pela culpa de não poder ficar parada.  Que desvende os segredos que a asfixiam. Mas do fundo do meu coração, peço-lhe que domine esse impulso doentio de autodestruição – que só os grandes escritores têm – mas que me dá medo.

Um beijo e parabéns, querida Nicha.

 

Maria de Lourdes Brandão

( escritora e poetisa)

 

 

 

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O nosso coração



Ele bate...bate...bate... devagarinho, certinho
desde que nos conhecemos como gente
(mas dentro da barriga da nossa mãe
ele já batia devagarinho... certinho,
antes que a gente se conhecesse como gente)


Enquanto somos crianças ele bate alegre, alvoroçado
quando  descobrimos o mundo ao aprender a ler
ao ganharmos a primeira bicicleta,
o primeiro computador
sem saber ainda o que é sofrer


Depois, na adolescência,
ele bate...bate...bate... inquieto, agitado
vivendo intensamente novas emoções
nas labaredas incontidas do desejo
da volúpia, do prazer


E quando se encontra o amor?
É tão bom amar e ser amado! Viver um amor partilhado...
sentir a vida palpitando em nós,
as pancadas certinhas do coração
a paz tranquila do anoitecer


No auge de uma grande paixão
o coração descompassado bate... bate... bate... adoidado
numa loucura total!
É o amor que o faz bater assim,
como um pássaro feliz e assustado

Mas um dia descobrimos mentiras.  A dor da traição
E o coração ferido, desesperado,
perde o ritmo, quer parar de bater
desiludido, infeliz, asfixiado
pela erva daninha da desilusão


Precisamos reagir. Não perder a esperança. Lutar!
Temos de tratar do nosso coração
A solução? Frequentar uma Academia, controlar o peso
conhecer novas pessoas   caminhar
e em pouco tempo ele recobra a alegria de pulsar


A vida continua... outros amores vêm.  Passam-se os anos
Momentos alegres e tristes se sucedem
Acumulamos perdas, desilusões, vitórias, fracassos
 - mas não podemos  perder nunca a alegria de viver

E o nosso coração lá vai batendo sempre devagarinho... certinho...
até um dia.  Em que para


Maria de Lourdes Brandão
   (escritora e poetisa)

                                     Rio de Janeiro, 22/09/2013 

domingo, 6 de outubro de 2013




amor ao entardecer 

 

não há palavras que possam descrever

o que é o amor ao entardecer...

a doçura

o fogo

a paixão

misturados com a angústia por ter desperdiçado

tantos anos vazios, a sofrer

procurando a felicidade    em vão

 

não há mais tempo a perder!

agora, cada minuto é uma eternidade mágica

que se respira e bebe com sofreguidão

com medo do amanhã

por isso quero viver    viver    viver

intensamente!

esta realidade sonhada em tantos anos de solidão

 

olhos nos olhos

corpos fundidos numa comunhão total

tanto física como espiritual,

choramos abraçados na descoberta do amor

beijos roubados

um olhar cúmplice

afagos

tudo novo    intenso    irreal

 

não há palavras que possam descrever

o que é o amor ao entardecer...

 

 (do meu livro MOMENTO)

 

Carta para uma amiga desconhecida

 

Não conheço você, amiga.  Não sei a cor dos seus olhos.  Do seu cabelo. A sua altura.

Sua idade?  Pode ter cinquenta, sessenta, até setenta anos – ou mais. E até menos. Mas conheço você bem, oh se conheço! Você é uma mulher (como eu) e está vendo o tempo, inexorável, passar. Trazendo saudade de muita coisa boa que viveu, lembranças alegres, mas também mágoas, perdas, desilusões.  De repente, você se dá conta que já muita vida passou e não volta mais.  Que algumas escolhas que fez não foram as melhores.  Que errou algumas vezes.  Que se arrepende de atitudes que teve. Que magoou pessoas. 

E agora? Você está em pânico, os pensamentos são confusos, olha para a frente e não sabe o que fazer – a partir deste momento.  Está sem rumo. Sem objetivos. Desiludida.  Entra em depressão.  Como reagir? Porque é PRECISO reagir, amiga!  Você pensa que só você sabe o que está sentindo, que nenhuma outra mulher já se sentiu assim tão mal, tão infeliz e desanimada como você está  neste momento da sua vida. Mas está errada, amiga.  Erradíssima!  Porque eu sei exatamente o que isso é.  E como eu, centenas, milhares, posso até dizer milhões de mulheres, de todas as nacionalidades, já  passaram por épocas assim tristes na vida.

Você tem de procurar ajuda, amiga. Procure uma boa uma terapeuta a quem possa confiar os seus problemas, as suas dúvidas.  Mas tente, se puder,  mudar imediatamente o rumo dos seus pensamentos. Deixe de pensar que o seu problema, seja ele qual for, é o centro do mundo e não tem solução.  Porque só não tem solução a morte.  Pense antes assim: o que não posso resolver é melhor esquecer.  O que posso mudar, vou mudar já.   E pense que a vida é um dom que recebemos e temos de sorvê-la, saboreá-la intensamente e suavemente enquanto podemos.

Todos os dias, ao acordar, pense na maravilha que é estar viva. Ter um novo dia para viver. Pense, por UM MINUTO que seja, em quantas pessoas gostariam de estar no seu lugar – vivas- e morreram durante a noite.  De doenças, em hospitais, em acidentes, com uma bala perdida.  Para essas, tudo acabou durante a noite – e elas queriam tanto viver!   Mas para você? Você está VIVA!  E nesse dia que vai começar, tudo pode acontecer a você.  De bom. Até um novo amor, que para amar não há idade limite. Pense nisso, amiga.

Comece uma nova fase na sua vida. Enterre os problemas que a estão mortificando. Abra o seu pensamento para coisas novas. Se puder e gostar, planeje uma viagem, vá numa excursão conhecer aquele país ou aquela cidade que sempre sonhou conhecer.  Se não puder, matricule-se num curso.  Vá aprender informática, literatura, francês, inglês. (Tenho uma amiga médica aposentada, com 72 anos, divorciada, filhas casadas, que  depois de atravessar uma crise assim, resolveu aprender francês e já fez duas viagens á França, matriculada em cursos de 3 meses cada.  Está feliz, fez novos amigos  e ainda vai voltar mais uma vez; agora o curso será em Nice, só para conversar). 

Tenho outra amiga que estava se sentindo infeliz, a casa vazia depois que o filho único casou e foi trabalhar e viver nos Estados Unidos. O que ela fez? Tornou-se voluntária e uma vez por semana passa a tarde num Hospital, ajudando crianças com câncer.  Você já pensou? Que problema você, eu ou qualquer mulher deprimida pode ter, que resista ao ver uma criança que nem viveu ainda, sofrer e morrer com um câncer incurável?

Querida amiga, pode ter certeza de uma coisa. TUDO que você está sentindo hoje é passageiro. Vai passar.  Não deixe que esses pensamentos negativos a  perturbem por muito tempo.  Reaja.  Prometo continuar a conversar com você. Combinado?

Um beijo da amiga

Maria de Lourdes